O que é multiculturalismo na educação

MODELO DE EDUCAÇÃO MULTICULTURAL

 Com a facilidade de contactos através de telefone, de correio eletrónico, internet e outros sistemas, a comunicação entre pessoas tornou-se muito fácil, independentemente da distância que as separa e permitiu um acesso quase instantâneo a informações sobre outros países e culturas.

 A facilidade de circulação de pessoas entre os diferentes países e o baixo preço dos meios de transporte internacionais, geraram grandes fluxos de migrações que se mantém numa dinâmica de mobilização que permite que pessoas tomem contacto direto com novas e diferentes culturas e que nelas se misturem.

 As crianças mudam de repente de país e de escola em função da movimentação da vida profissional dos seus pais, tendo que se integrar em escolas e culturas diferentes. As escolas recebem sistematicamente alunos provenientes de outros países e culturas, tendo que proceder à sua integração.

 O maior problema que a escola enfrenta nesta situação respeita à tendência de exclusão dos “diferentes”, afastando, desprezando, humilhando e muitas vezes agredindo os novos alunos de outras culturas. Trata-se de uma atitude que surge naturalmente, pois esta hostilidade para com o que é estranho aumenta a força de coesão interna dos grupos.

 Existe também, a nível social, a xenofobia, o racismo, conflitos religiosos ou ideológicos, antecedentes históricos ou mesmo motivações políticas, que causam grandes problemas de integração cultural.

 Acrescenta-se ainda uma tendência sociológica, também natural, de etnocentrismo, pensando que a própria cultura é a melhor, considerando todas as outras de menor valia.

 A Educação Multicultural é um modelo que se preocupa com a aceitação, na escola, de alunos de outras culturas, organizando um conjunto de estratégias e materiais de educação destinadas à resolução dos vários problemas de integração de alunos com culturas diferentes.

 O seu postulado principal é sistémico, aceitando que a inclusão de diferentes culturas proporciona uma cultura final mais rica e com maior homeostase. Ou seja, a integração de crianças com as suas diferentes culturas produz uma maior riqueza para a cultura principal.

 O segundo postulado é que não há culturas melhores ou piores que outras, sendo diferentes mas todas iguais.

 O terceiro postulado é de que o futuro da sociedade é pluralista e, como tal, dever-se-á preparar hoje os homens que amanhã irão viver nessa sociedade.

 A escola deve proporcionar as mesmas oportunidades aos diferentes alunos e culturas, de modo integrado, interdisciplinar, intercultural e intersocial.

 Kincheloe e Steinberg organizaram uma taxonomia que caracteriza as diferentes aproximações teóricas sobre a Educação Multicultural e que resumimos:

1 – Multiculturalismo Conservador:

 Trata-se de uma perspetiva etnocêntrica não assumida, considerando que a cultura predominante é a melhor, devendo-se preservar a sua pureza e riqueza existentes, para transmitir para as gerações seguintes.

 O currículo em vigor, definido pelas normas culturais dominantes, mantém-se rígido, não permitindo quaisquer alterações, sendo os alunos de outras culturas que têm que se adaptar às normas e funcionamento que existem.

 Interessam apenas as “matérias” escolares tradicionais (Português, Matemática, Ciências, etc.), tendo os alunos “de fora” que as aprender, mesmo que a língua seja diferente e não compreendam as aulas nem possam ler os manuais.

 Tudo o que se refere a outras culturas é considerado como curiosidades que penas se poderão abordar extra curricularmente.

2 – Multiculturalismo Liberal:

 O multiculturalismo liberal continua a manter o etnocentrismo, mais ou menos oculto, pensando que a cultura própria é a melhor, mas avança com as noções de igualdade e liberdade. 

Nós somos todos iguais; qualquer pessoa entra na corrida competitiva da vida saindo da mesma linha de partida; somos responsáveis pelo nosso próprio sucesso ou fracasso; todos os humanos podem ser bem-sucedidos, desde que tenham oportunidade para tal; as diferenças raciais e culturais existem porque é negada a oportunidade aos grupos minoritários.

Aceitam que cada minoria tente manter a sua cultura, dispondo da maior liberdade para o fazer, mas isso não as dispensa de se integrarem na cultura dominante.

Evitam-se quaisquer referências a racismo, xenofobia, sexismo, homofobia, polarização de classe, opressão colonial, pois que são vistos como elementos divisores e fraturantes.

3 - Pluralismo Multicultural:

É uma forma de multiculturalismo que aceita todas as outras culturas, não as excluindo, mas que mantém inalterável a perspetiva etnocêntrica.

Pode e deve haver uma existência pacífica entre os grupos das diferentes culturas, mantendo-se no entanto independentes e sem se misturar.

As diferentes culturas podem coexistir ma mesma sociedade, sem quaisquer fricções ou problemas entre si, sucedendo o mesmo na escolaridade, onde se aceitam alunos de todas as culturas. Interessa mais o que têm em comum do que o que as diferencia.

Considera-se que cada cultura é uma matéria privada que só a si diz respeito, devendo existir e manter-se autónoma e isolada. O exemplo são os locais como as “China Twons” e a “Little Italies”.

Estes grupos culturais deverão manter orgulho na sua herança cultural, conhecer a sua história ancestral, manter os seus valores, as suas crenças e os seus costumes, mas sem elitismos de cultura ou de supremacia racial.

Num país que aceita o multiculturalismo cultural, deverão existir leis que proíbam a discriminação destes grupos culturais, bem como o contrário, a sua influência económica na sociedade que os acolhe.

4 – Multiculturalismo de Esquerda:

Concebe o multiculturalismo na mesma dimensão da luta de classes, defendendo os grupos culturais minoritários por os considerar como classes sociais desfavorecidas e pelas mesmas ações com que lutam contra a opressão, o racismo, a xenofobia, o sexismo, a homofobia e outras situações incongruentes da sociedade. 

O objeto central do multiculturalismo são as diferenças sociais. Coloca as diferenças culturais no mesmo grupo das diferenças raciais, xenófobas, de orientação sexual, para as atacar e exorcizar, identificando a “igualdade cultural” com a “justiça social”, para ter mais uma razão no combate contra as desigualdades sociais.

 A educação multicultural entra num constructo reducionista opondo a razão moral a todas as formas de opressão e injustiças sociais.

5 - Multiculturalismo crítico:

 As questões de racismo, xenofobia, homofobia e outras, possuem uma amplitude e complexidade muito mais vasta que a simples lutas de classes. As suas raízes perdem-se na história ancestral, nos arquétipos, na dinâmica de grupos, nos fundamentalismos religiosos, nos laços internos e receios externos das cidades-estado, no patriotismo, e até nas rivalidades clubísticas. Tudo modos de desenvolvimento cultural.

 Na Grécia clássica a homossexualidade era tida como a única forma de amor. Nos Astecas o racismo ainda existia sob a forma de canibalismo. O Islamismo atual permite a poligamia. Todos estes “pecados odiosos” faziam parte de impérios que ficaram famosos pela sua cultura.

 Não se pode por isso dizer que esta cultura é melhor ou pior do que aquela, porque tem elementos que a nossa cultura condena. Pensar que a nossa cultura é a melhor de todas, constitui um etnocentrismo, que pode ser inconsciente, mas que não pode ser aceite racionalmente. Todos têm o direito e a liberdade de serem diferentes.

 Quando se juntam várias culturas diferentes, interessa averiguar quais os valores que são comuns e os valores que existindo numa poderão ser úteis às outras. Opor as diferenças apenas gera dissensões, horrores e guerras (perseguições, inquisição, cruzadas, jihads e outras).

O multiculturalismo na escola

  A educação pública referia que todos tinham direito à educação, tendo evoluído para uma a educação universal, mais abrangente, em que o “todos” acolhem fraternalmente crianças de outras nacionalidades e de diferentes culturas.

 O multiculturalismo nas escolas públicas promove e aceita a diversidade, considerando que as diferentes culturas contribuem para o desenvolvimento cultural da cultura dominante.

 Aceita-se que existam escolas privadas tenham outra posição diferente, autorizando que núcleos de cidadãos estrangeiros possam ter, para os seus filhos, escolas com a sua cultura (english schools, lycées françaises, etc.).

 A educação multicultural nas escolas públicas mantém a sua cultura dominante, mas promove a aceitação da diversidade e da compreensão que esta diversidade aumenta a qualidade da cultura dominante.

 A educação multicultural é, portanto, inclusiva, incluindo crianças de outras culturas, mas não subordinada a elas. A escola deve ajudar a criança estrangeira a integrar-se na cultura nacional. Se fala uma língua diferente da cultura dominante, deverá ter aulas desta, mas todas as outras aulas são na língua dominante. Jamais se procedendo ao facilitismo de criar turmas da mesma língua, não dominante, nem de destacar professores que as dominem, o que não facilitaria em nada a integração da criança.

 Por outro lado, a educação multicultural deve satisfazer as necessidades multiculturais da sociedade atual, procurando formar os alunos para ser cidadãos multiculturais, incluindo no seu currículo línguas estrangeiras, história comparada das civilizações, literatura internacional, geografia universal, artes comparadas, etc.

 O objetivo primordial da educação multicultural não é o da integração de crianças estrangeiras (que também é seu objetivo, mas secundário), mas o de preparar as crianças para serem cidadãos universais, capazes de lidar facilmente com pessoas de línguas, valores e culturas diferentes, de modo ativo e participante.

 Os principais valores da escola multicultural são a cooperação, o respeito mútuo, a dignidade do indivíduo, justiça, igualdade e a fraternidade.

Multilinguismo

 Há cem anos, um viajante que se deslocasse pela Europa praticamente só encontraria nos hotéis internacionais quem falasse uma língua diferente da do país em que estava.

A seguir à I Grande Guerra alguns países começaram a familiarizar-se com as línguas dos seus vizinhos. Na Europa Central e Oriental, da Suécia para a Roménia, as pessoas começaram a conhecer algum Alemão. Na Itália e em Portugal, era o Francês que se aprendia. Na Noruega e Holanda, os interesses iam para o Inglês.

 Entre as duas guerras, uma elite de intelectuais criou o Esperanto, com a intenção de se tornar a língua universal, aprendida em todos os países, para fomentar a sua união, mas a partir da II Guerra Mundial o Inglês começa a estender-se como língua internacional, fazendo praticamente desaparecer o Esperanto.

 A ideia do Inglês como língua universal, a segunda língua a aprender nas escolas de todos os países, não seguiu, porém, no sentido bilinguístico que era esperado. Em alguns países só aparece em terceiro ou quarto lugar.

 A Espanha, por exemplo, para além do Castelhano, tem o Galego, o Basco e o Catalão, aparecendo o Inglês depois ou entre estas. Na Suíça aprende-se primeiro o Alemão, o Francês e o Italiano, vindo o Inglês apenas em quarto lugar. Na Bélgica, o Francês, o Flamengo e o Alemão são prioritários. Nos países nórdicos o Alemão e o Sueco predominam. Nos países de Leste é o Russo que se aprende como segunda ou terceira língua.

Cada vez mais diferentes pessoas imigram e se concentram nas cidades, com os seus diferentes idiomas, tendo necessidade de comunicar entre si. Cada vez mais as escolas se vão preocupando em ensinar outras línguas e não apenas a materna mais o Inglês.

 Os nossos avós só falavam uma língua, nós falamos duas e os nossos filhos já falam em três ou mais. O monolinguismo está a desaparecer, o bilinguismo está ultrapassado e o multilinguismo está em pleno desenvolvimento, forçado pelo polilinguismo originado pelos movimentos migratórios.

 A União Europeia, em 2005, define “Um novo quadro estratégico para o multilinguismo”, em que todos os ministros da educação dos estados membros, reunidos numa cimeira, definem um quadro estratégico para o multilinguismo na Europa:

 “A presente comunicação expõe a estratégia da Comissão pretendendo promover o multilinguismo na sociedade europeia, na atividade económica e no próprio seio da comissão. O objetivo é de reforçar as competências linguísticas dos cidadãos até que cada cidadão haja conseguido competências praticas em pelo menos duas outras línguas que a sua língua materna.

O conceito do multilinguismo da Comissão procura três objetivos:

1 - Encorajar a aprendizagem das línguas e promover a diversidade linguística na sociedade;

2 - Favorecer uma economia multilingue competitiva;

3 - Dar aos cidadãos um acesso à legislação, aos processos e às informações da União europeia na sua própria língua.” (Comunicação da Comissão do 22 de Novembro de 2005).

 Investigações recentes no campo da psiconeurologia da fala mostraram que a criança consegue aprender várias línguas ao mesmo tempo, compreendendo-as e fazendo-se compreender nelas, muito antes de possuir capacidades para aprender a ler e a escrever.

 É mais fácil aprender várias línguas em simultâneo que apenas uma de cada vez, pois os circuitos neuropsicológicos são os mesmos e os mecanismos mnésicos dos diferentes vocabulários têm como origem a mesma imagem mental.

 Devido à plasticidade dos sistemas sensório-motores e à formação da área de Wernicke, quanto menor for a idade em que a criança auto aprende várias línguas, mais fácil é essa tarefa.

 Há uma autoaprendizagem polilinguística da criança, natural e “de ouvido”, tanto maior quanto maior forem as necessidades de relacionação social.

Conceitos básicos do multilinguismo:

 - A língua situa-se no campo dos sons e não no da escrita. Aprende-se ouvindo e falando. A fala é música, interessam os fonemas e não as sílabas ou grafemas;

 - É no Jardim-de-Infância, antes da aprendizagem da leitura-escrita, ainda em pleno desenvolvimento do sistema nervoso central, que se deverá implementar atividades para o desenvolvimento das capacidades audio-linguísticas de base, imediatamente seguidas por atividades de auto-apreensão do vocabulário das diferentes línguas;

 - A criança, através destas atividades, vai associando a cada imagem mental a sua correspondente denominação nas diferentes línguas (vocabulário em diferentes línguas para o mesmo pensamento);

 - O multilinguismo não requer professores altamente especializados, pois a criança possui competências naturais para realizar uma autoaprendizagem linguística em que o papel do educador é mais de incentivador do que de ensinador;

 - É através das atividades lúdicas que a criança efetua as suas autoaprendizagens multilinguísticas fundamentais.