Na filosofia de Kant o que podemos entender por matéria e forma do conhecimento

Teoria do conhecimento é um dos principais ramos de estudo da filosofia ocidental. Os filósofos pré-socráticos iniciaram um movimento de tentativa de compreensão racional do mundo, da formação dos seres viventes e não viventes, ou seja, um afastamento do pensamento mitológico e uma aproximação do conhecimento racional. Isso despertou em Platão uma curiosidade pela busca do conhecimento verdadeiro, o que dá início à busca pelas teorias do conhecimento por meio, no início, do pensamento metafísico.

Mais tarde, a teoria do conhecimento será incorporada por outras vertentes do conhecimento, como o racionalismo, o empirismo, o criticismo e a fenomenologia, além de ser estudada pela psicologia e pela filosofia da ciência, outra área de estudo da filosofia.

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Videoaula sobre epistemologia (teoria do conhecimento)

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A teoria do conhecimento é uma área de estudo, originalmente da filosofia, mas que ganhou contornos nas ciências da educação e na psicologia. Enquanto tema filosófico, a teoria do conhecimento surgiu nos escritos de Platão, que se questionava sobre a forma de obter o conhecimento verdadeiro. Ele foi seguido por Aristóteles, Agostinho e diversos outros filósofos que seguiram a linha metafísica da teoria do conhecimento. Mais tarde surgiram outras vertentes, como o racionalismo, o empirismo e o criticismo, na Modernidade, e a fenomenologia, na contemporaneidade.

A teoria do conhecimento busca compreender o modo como conhecemos, como é possível ao ser humano conhecer as coisas e o modo pelo qual podemos atingir o conhecimento verdadeiro. Essa área foi associada a outra área de estudo da filosofia, a filosofia da ciência, sendo até considerada como área correlata|1| ou pensada como sinônimo. Isso somente acontece na medida em que a ciência também busca o conhecimento racional, no que pese que a ciência busca uma universalização de tal conhecimento.

Teoria do conhecimento, gnosiologia e epistemologia

Os termos têm significados pouco confusos, às vezes tratados como sinônimos, às vezes tratados como termos distintos. A gnosiologia, por exemplo, pode referir-se ao conhecimento individual, psicológico, ou seja, trata de uma teoria do conhecimento, ao passo que a epistemologia pode se referir especificamente ao conhecimento científico e universalizável.

Apesar dessas distinções, algumas tradições apontam a epistemologia como sinônimo de teoria do conhecimento, como foi indicado no tópico anterior. Também existe correlação parecida nas traduções feitas para o português de Portugal.

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Quais são as vertentes da teoria do conhecimento

Podemos notar o início da trajetória metafísica em Platão, embora o filósofo grego clássico não tenha sido o primeiro a sistematizar essa área do conhecimento. A metafísica em Platão passa pela diferenciação de duas realidades distintas e a noção de que o conhecimento verdadeiro está em uma dessas realidades.

O filósofo falou em realidade sensível, percebida pelos sentidos do corpo, e realidade suprassensível, compreendida apenas pelo intelecto. O intelecto é apreendido pela ação da alma, superior, eterna e imutável, que consegue apreender os conceitos, também eternos e imutáveis. O único conhecimento verdadeiro advém dessa realidade. Os sentidos, que garantem o conhecimento sensível, apreendem apenas a realidade material, que é falha e enganosa, segundo Platão.

Aristóteles, discípulo de Platão, foi mais adiante. Ele discordou de seu mestre na questão do conhecimento sensível. Para o filósofo, existem seis graus de conhecimento:

    • sensação
    • percepção
    • imaginação
    • memória
    • raciocínio 
    • intuição

Todos os graus são importantes por trazerem elementos fundamentais para o conhecimento. Aristóteles também foi o primeiro sistematizador da metafísica, embora não chamasse seu estudo por esse nome (a palavra metafísica foi criada por Andrônico de Rodes). Ele chamou de filosofia primeira um conjunto de conhecimentos que permitem alcançar o pleno estudo do ser enquanto ser. Esse estudo permite também a compreensão de como acontece o conhecimento.

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Na filosofia de Kant o que podemos entender por matéria e forma do conhecimento
René Descartes, o fundador do racionalismo moderno.

Liderado pelo filósofo e matemático francês moderno René Descartes, o racionalismo é um movimento ligado à teoria do conhecimento que afirma que toda a possibilidade de conhecimento certo e indubitável advém do raciocínio puro. Descartes aventou a possibilidade de possuirmos conhecimento para além do raciocínio, mas a origem das ideias, segundo ele, estaria nas ideias inatas (termo trazido da filosofia platônica), que são ideias que adquirimos antes mesmo do nosso nascimento.

Elas estariam “impressas” em nossa alma, e buscar essas ideias por meio do puro raciocínio seria o caminho para o conhecimento verdadeiro. O primeiro conhecimento certo e indubitável atingido por Descartes foi o cogito, expresso pela frase: “penso, logo existo”. Descartes baseou-se no princípio de que deve haver um método para organizar o conhecimento e que devemos desconfiar de todo o conhecimento prévio, duvidando, assim, de tudo.

A esse movimento, Descartes chamou de dúvida metódica e hiperbólica. Ao duvidar de absolutamente tudo, Descartes duvidou da sua própria existência. Contudo, ele constatou que duvidar é um ato do pensamento e quem pensa precisa antes existir. Sendo assim, se ele pensa, ele existe. Esse é o básico da teoria do conhecimento proposta pelo racionalismo.

Os três grandes pilares do empirismo moderno são:

  • Francis Bacon
  • John Locke
  • David Hume

Enquanto o racionalismo buscava em Platão a tese para a fundamentação do conhecimento primordial (aquele que advém da pura racionalidade), os empiristas pegam um caminho um pouco mais aristotélico. Para eles, a origem de todo o conhecimento está na experiência prática sensorial, pois é por meio dos sentidos que temos os primeiros dados do conhecimento: as intuições.

Toda a possibilidade de racionalização desse conhecimento acontece depois do ato de receber os dados da intuição (dados dos sentidos: visão, audição, tato…). Para saber mais sobre essa área da filosofia moderna, leia: Empirismo.

Foi Immanuel Kant quem resolveu a querela entre racionalistas e empiristas. A proposta crítica de Kant, apresentada em seu livro Crítica da razão pura, consiste na teoria de que ambos (empirismo e racionalismo) têm um lugar na teoria do conhecimento, embora o racionalismo tenha certos privilégios. Para Kant, obtemos os dados da intuição e temos o conhecimento racional dos conceitos universais.

O conhecimento é aquilo que passa por estas duas instâncias: intuição e conceito. Dessa forma, temos os conceitos de espaço e tempo, por exemplo, além de percebermos espaço e tempo por nossa intuição (dados dos sentidos), o que nos leva ao conhecimento verdadeiro. Para realmente conhecermos algo, essa coisa precisa, inclusive, estar localizada no espaço e tempo para que possamos captá-la com nossa intuição.

Na filosofia de Kant o que podemos entender por matéria e forma do conhecimento
Um dos precursores do idealismo alemão, Kant foi o mestre de uma teoria do conhecimento crítica.

A fenomenologia é uma divisão contemporânea da filosofia que teve início com o filósofo e matemático alemão contemporâneo Edmund Husserl. Consiste no isolamento do que os criticistas já estudavam: o fenômeno (aparição, o que se mostra) como possibilidade inicial do conhecimento. A fenomenologia, por reconhecer com mais força a questão da subjetividade individual no processo cognitivo, foi fortemente incorporada pela psicologia e pela educação.

Nota

|1| Ver: TESSER, Gelson João. As principais linhas epistemológicas contemporâneas. In: Educar em Revista, vol. 10, dezembro de 1994. Curitiba: UFPR, 1994. Disponível aqui.

Por Francisco Porfírio
Professor de Filosofia

Immanuel Kant escreveu algumas das principais obras filosóficas da Modernidade. Personalidade influente no meio intelectual de sua cidade e membro da Real Academia das Ciências de Berlim, curiosamente, o pensador nunca saiu de sua cidade natal, Königsberg.

Kant fundou uma nova teoria do conhecimento, chamada idealismo transcendental, e a sua filosofia, como um todo, fundou o criticismo, corrente crítica do saber filosófico que visava, como queria Kant, a delimitar os limites do conhecimento humano.

As obras de Kant possuem uma rara erudição, um estilo literário único e um rigor metodológico e filosófico inigualável. Professor da Universidade de Königsberg por quase cinco décadas, o docente e pesquisador dedicou-se a escrever sobre Lógica, Metafísica, Teoria do Conhecimento e Ética e Filosofia moral.

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Filho de uma família chefiada por um artesão descendente de escoceses, Kant nasceu na cidade de Königsberg, na Prússia Oriental, em 22 de abril de 1724. Sua família tradicional protestante marcou a sua vida e relação com a religião. O grande pensador da Modernidade não se dizia ateu, mas sempre manteve uma relação polêmica com a religião por defender, em seu criticismo, que somente podemos conhecer aquilo que podemos intuir, ou seja, aquilo que podemos ver, ouvir, de fato experimentar.

Aos 16 anos de idade, Immanuel Kant entrou para o curso de Teologia da Universidade de Königsberg, onde começou a aprofundar os seus estudos em Filosofia, principalmente em Leibniz. Também se interessou por Física e Matemática, inclusive escrevendo sobre Ciências Naturais.

Em 1746, o falecimento de seu pai fez com que o filósofo fosse obrigado a trabalhar como preceptor, ensinando os filhos de famílias ricas de Königsberg. Para sua sorte, o pensador conquistou certo prestígio e conseguiu adentrar no meio intelectual da cidade, devido à influência adquirida como preceptor e à sua inteligência incomum.

Em 1754, o filósofo retornou para a universidade, onde se doutorou em Filosofia e passou a lecionar como livre docente. Em 1770, o filósofo e professor de Königsberg passou a ocupar a cátedra de Lógica e Metafísica da Universidade de Königsberg, cargo que ocupou até a sua morte.

A entrada como professor catedrático também impulsionou os trabalhos filosóficos de Kant, que se ocupou de suas principais obras, as quais promoveriam o que ele chamou de “revolução copernicana da Filosofia”, devido à sua inclinação para o criticismo, que resolveria os impasses de filósofos e correntes filosóficas anteriores.

Kant foi proibido de escrever sobre religião pelo Rei Frederico Guilherme II, da Prússia, devido às suas teses polêmicas, que levariam a uma espécie de agnosticismo intelectual. Kant publicou textos sobre religião somente em 1797, após a morte do rei.

Alguns dos principais livros de Kant são: Crítica da razão pura, Crítica da razão prática, Crítica da faculdade de julgar e Fundamentação da Metafísica dos costumes. Extremamente rigoroso e metódico, o filósofo nunca se casou e não teve filhos, dedicando-se, quase integralmente, à pesquisa e à docência em Filosofia. Curiosamente, o pensador prussiano nunca saiu de sua cidade natal, e sua extrema erudição e seu conhecimento geral eram obtidos por meio de leituras e contato com pessoas de fora.

Algumas curiosidades sobre a personalidade de Kant saltam aos olhos de leitores de suas biografias. Um homem muito inteligente, sagaz, bondoso e gentil, o filósofo tinha também certos hábitos que remetiam à sua personalidade metódica. Sabe-se que ele tinha uma rigorosa rotina e cumpria, fielmente, seus afazeres em horários rigorosamente controlados. Ele tinha horário certo para dormir, acordar, comer, estudar, escrever e fazer suas caminhadas vespertinas.

Conta-se que os habitantes de Königsberg, alguns vizinhos do filósofo, acertavam seus relógios quando viam Kant passando pela rua, pois ele sempre passava pelos mesmos lugares no mesmo horário. Uma única vez, o pensador prussiano atrasou-se por estar absorto em uma leitura, e esse atraso foi suficiente para despertar a curiosidade dos vizinhos.

Após sofrer de uma doença degenerativa, o filósofo faleceu do dia 12 de fevereiro de 1804, aos 79 anos de idade.

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Immanuel Kant ficou conhecido por ter formulado o que ele denominou ser uma “revolução copernicana na Filosofia”. Grande leitor do racionalista Gotfried Wilhelm Leibniz e do empirista inglês David Hume, Kant tratou de juntar elementos das duas correntes que mais movimentaram a Filosofia europeia moderna em uma teoria criticista, sem cair em qualquer tipo de relativismo.

O idealismo transcendental kantiano construiu uma complexa teia de conceitos para explicar que nem o empirismo estava certo e nem o racionalismo explicava plenamente o conhecimento humano. Para Kant, o conhecimento é obtido com base na percepção do que ele chamou de “coisa em si”, que é o objeto.

Esse processo dá-se pelo que o pensador denominou intuição, e é a racionalidade, por meio das faculdades mentais, que proporciona ao ser humano o conhecimento, pois a nossa mente é capaz de relacionar conceitos puros aos dados da percepção.

Para Kant, há a coisa em si e o conceito transcendental, sendo a nossa relação com esses dois elementos estritamente pessoal e psicológica, mas o fato de haver um conceito universal, que serve de parâmetro, impede que a teoria kantiana seja relativista.

No campo moral, Kant formulou uma teoria chamada Metafísica dos costumes, baseada no imperativo categórico, que tenta desfazer qualquer relativismo moral empregando forças para descobrir as máximas ou leis morais universais. Para Kant, existe um dever universal baseado em leis morais e esse dever está submetido ao estrito cumprimento das leis morais em qualquer situação racional. O ser humano ou qualquer outro ser racional deve cumprir aquilo que é estabelecido pela lei moral.

No campo político, Kant escreveu o livro A paz perpétua, em que ele elabora um tratado de paz e cooperação universal imaginário entre os Estados. Esse tratado, de inspiração iluminista e republicana, visava a garantir a paz entre as nações, o respeito aos Direitos Humanos e à vida. A obra kantiana, publicada em 1795, influenciou fortemente a consolidação da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 150 anos depois.

Kant também escreveu um artigo denominado “O que é esclarecimento?” ou “O que é Iluminismo?”. A relação estabelecida entre iluminismo e esclarecimento dá-se na tradução dos termos para alemão (a palavra Aufklärung designa, simultaneamente, esclarecimento e iluminação) na obra de Kant. Elaborado em estilo de resposta à pergunta, o texto defende que o ser humano deve sair da “menoridade”, que seria o estado de desconhecimento que impede o desenvolvimento autônomo, e chegar ao conhecimento, que seria a garantia da autonomia e do esclarecimento.

No campo estético, Kant desenvolveu uma complexa teoria, ligada à sua teoria do conhecimento, denominada estética transcendental. Essa teoria está presente na Crítica da razão pura, livro que trata, majoritariamente, de epistemologia, e no livro Crítica da faculdade do juízo, que fala especificamente dos juízos estéticos.

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Principais ideias

  • Criticismo: filosofia voltada para estabelecer os limites do conhecimento humano com base em um intenso exercício filosófico, estabelecendo uma crítica revisionista da Filosofia.

  • Idealismo transcendental: doutrina filosófica voltada para entender como ocorre o conhecimento humano, com base em noções como juízo analítico, juízo sintético e juízo estético.

  • Iluminismo: a indicação de uma iluminação por meio do conhecimento é o requisito para a formação de uma mente autônoma.

  • Imperativo categórico: é a formulação de uma lei moral, máxima da ação ética em qualquer situação. O imperativo kantiano pode ser formulado da seguinte maneira: age de tal maneira a tornar a sua ação uma lei universal. Isso significa que a ação deve ser universalmente correta ou estar, em qualquer situação, em correspondência com o dever. Há também a máxima: age de tal modo a utilizar a natureza e as pessoas como fim e nunca como meio. Isso significa que há uma obrigação moral de não usar as pessoas como meio para que se consiga algo.

Citações

  • “Não se pode aprender Filosofia alguma. [...] Só se pode aprender a filosofar, isto é, exercitar o talento da razão na observância de seus princípios universais.”

  • "A guerra é má, por originar mais homens maus do que aqueles que mata."

  • "A felicidade não é um ideal da razão mas sim da imaginação."

  • "Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento delas se ocupa: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim."

  • "A moral, propriamente dita, não é a doutrina que nos ensina como sermos felizes, mas como devemos tornar-nos dignos da felicidade."

  • "É no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade."

  • "Pensamentos sem conteúdos são vazios; intuições sem conceitos são cegas."

Resumo

O filósofo prussiano Immanuel Kant nasceu e sempre viveu na cidade de Königsberg. Metódico e rigoroso, formou-se em Teologia e, desde cedo, escreveu tratados de Ciências, Filosofia e religião. Doutorou-se em Filosofia e passou a lecionar na Universidade de Königsberg. Sua produção filosófica mais intensa deu-se a partir de 1770, período em que elaborou a sua filosofia criticista e o seu idealismo transcendental — teoria crítica da razão que sintetiza o empirismo e o racionalismo. Por Francisco Porfírio

Professor de Filosofia