Você vai ler um fragmento da peça teatral “A moratória”, de Jorge Andrade. A peça retrata uma família de fazendeiros e tem como tema a decadência da aristocracia rural brasileira ocorrida no final dos anos 1920, impulsionada por dois violentos choques: a crise do café e a Revolução de 30. Veja o diálogo que se desenvolve entre pai e filha a partir daí. Joaquim: Não se afobe, minha filha. Lucília: E que faço do meu serviço? Joaquim: Que importância tem? Você é obrigada a costurar. Até prefiro que... Lucília: (Corta) Ora, papai! (Pausa. Lucília olha para Joaquim e disfarça) Tia Elvira vem experimentando o vestido e ainda tenho que acabar o da Malfada. Joaquim: Por que é que sua tia precisa de tantos vestidos? Lucília: Ela vai a uma festa amanhã. Joaquim: (Joaquim sai levando a xícara) É um despropósito fazer um vestido para cada festa. Lucília: Assim gasta um pouco do dinheiro que tem. Joaquim: (Voz) Não é a festa do Coronel Bernardino? É. Joaquim: (Voz) Você não vai? Lucília: Não. Joaquim: (Voz) Por que não? Recebemos convite. Lucília: Não quero. Joaquim: (Pausa. Reaparecendo) Não sei por que, depois que viemos para cidade, você se afastou de tudo e de todos. Lucília: Convidaram por amabilidade, apenas. Joaquim: Convidaram porque você é minha filha. É uma obrigação. Lucília: Conheço essa gente. Joaquim: Você precisa se divertir também. Lucília: Preciso, mas não posso. [...] Joaquim: Há de chegar o dia em que vai poder ir a todas as festas novamente. E de cabeça erguida. Lucília: Ainda estou de cabeça erguida. Posso perfeitamente recusar um convite. (Pausa. Os dois se entreolham ligeiramente) Não vou porque fico cansada. Joaquim: Eu sei. Eu sinto o que é. (Pausa) De cabeça erguida! Prometo isso a você. Lucília: Não faço questão nenhuma. Joaquim: Eu faço. Lucília: Está bem. Não se toca mais neste assunto. (Pausa) Joaquim: Com a nulidade do processo, vou recuperar a fazenda. Darei a você tudo que desejar. Lucília: Não vamos falar nisto. Joaquim: Por que não? Eu quero falar. Lucília: É bom esperar primeiro a decisão do Tribunal. Joaquim: (Impaciente) O mal de vocês é não ter esperança. Essa é que é a verdade. Lucília: E o mal do senhor é ter demais. Joaquim: Esperança nunca é demais. Lucília: Não gosto de me iludir. E depois, se recuperarmos a fazenda, vamos ter que trabalhar muito para pagá-la. Joaquim: Pois, trabalha-se. Lucila: Só depois disto, poderemos pensar em recompensa... e outras coisas. Até lá preciso costurar e com calma. Joaquim: É exatamente o que não suporto. Lucília: O quê? Joaquim: Ver você costurando para esta gente. Gente que não merecia nem limpar nossos sapatos! Lucília: Não reparo neles. Não sei que são, nem me interessa. Trabalho apenas. (Por um momento fica retesada) Por enquanto não há outro caminho. Joaquim: Gentinha! Só tem dinheiro... Lucília: (Seca) É o que não temos mais. [...] (Pausa. Joaquim fica sem saber o que fazer. Atrapalha-se quando tenta arrumar os figurinos que estão em cima da mesa). Lucília: (Impaciente) Papai! Não misture meus figurinos. Joaquim: Queria arrumar. Lucília: Não é preciso. [...] Veio o café? Joaquim: Não. Lucília: Tia Elvira prometeu mandar hoje. Joaquim: Prometeu, mas não mandou. Lucília: O senhor olhou direito na jardineira? Joaquim: Naturalmente que olhei. Só veio latãozinho de leite. Lucília: Com certeza a tia Elvira começa a achar que nos ajuda demais. Um latãozinho de leite por dia! Joaquim: (Abaixa ligeiramente a cabeça) Deve ter esquecido. Lucília: Ela não se cansa de falar na ajuda que nos dá e nas dificuldades que todo mundo está atravessando. [...] Ou acho melhor trazer pessoalmente, para não esquecermos que devemos favor a eles. Aposto como vai contar a luta que teve para conseguir um pouco de café! Joaquim: (Olha para Lucília durante um instante, contrai o rosto e abaixa a cabeça) Lucília: A verdade é que ela deve ter a consciência bem pesada. Joaquim: Por quê? Lucília: O senhor não se lembra mais? Joaquim: (Levanta-se) Não preciso deles para recuperar o que é meu. Lucília: Um dia hei de dizer tudo isto a ela. Joaquim: (Saindo para a cozinha) As colheitas andam más. (Só a voz de Joaquim) Não há mais café como antigamente. Lucília: Não se esqueça de que a fazenda deles tem setecentos mil pés de café. Joaquim: (Voz) Que adianta? Não chove! Lucília: Enfim, é sempre a mesma coisa: chuva, chuva! (toca a máquina) Quando morávamos na fazenda, a ladainha era a mesma. (Pausa) O que sei é que preciso trabalhar se quisermos viver, pelo menos decentemente. [...] Com base no texto, responda: 1) Nos texto teatrais, o desenvolvimento dos fatos e o conhecimento sobre os personagens se dão por meio dos diálogos. Compare as falas a seguir e associe-as às duas personagens do texto lido.
A)Considerando que a família já foi rica, como pai e filha vivem nessa situação? ( ) Tentam fugir da triste realidade em que vivem no momento. ( ) Conservam o orgulho aristocrático. ( ) Adaptaram-se sem problemas à nova vida da cidade B) No decorrer do texto, observa-se que a “gentinha” que se refere Joaquim tem o que eles tinham quando eram fazendeiros. O que Joaquim e sua família não têm mais no momento retratado na peça? c C) Além do dinheiro que Lucília ganha com as costuras, o que mais ajuda na sobrevivência da família. 2) Observa-se nessa cena que pai e filha tem posições diferentes quanto à nova situação que vivem: a) Como o pai encara a situação? Justifique. b) E a filha? c) Que argumento o pai usa para justificar o fato de tia Elvira não ter mandado café? d) Como Lucília nega o argumento do pai? 3) O texto teatral tem semelhanças com o texto narrativo: apresenta fatos, personagens, tempo e lugar. a) Onde ocorre a cana do texto lido? b) Qual é, aproximadamente, o tempo de duração dessa cena? 4) Comparando a estrutura do texto teatral com a de outros textos narrativos, como, por exemplo, o conto, e a fábula, observamos que ele se constrói de uma forma diferente. a) Há, no texto teatral, um narrador que conta a história? b) De que forma, então, tomamos conhecimento dela? 5) O diálogo entre as personagens constitui o elemento essencial de um texto teatral. Numa fábula ou conto, a fala das personagens aparece geralmente depois dos verbos como dizer, perguntar, afirmar, chamados dicendi. No texto teatral lido, como é introduzida a fala das personagens? 6) O texto teatral apresenta alguns trechos em letras de tipo diferente, em geral itálico: Veja:
(Pausa. Joaquim fica sem saber o que fazer.Atrapalha-se quando tenta arrumar os figurinos que estão em cima da mesa). LUCÍLIA: (Impaciente) Papai! Não misture meus figurinos. Esses trechos, chamados rubricas, têm uma função especial. Qual é ela? 7) A Linguagem usada nos diálogos normalmente é adequada às personagens e ao contexto.Que tipo de variedade linguística predomina no diálogo entre pai e filha, no texto lido? 8) Quando um texto teatral é lido, o leitor é o interlocutor da história vivida pelas personagens. Quando ele é encenado, quem é o interlocutor? Page 2
Amar Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olh... |