O materialismo histórico dialético também conhecido como teoria crítica

O materialismo dialético é uma filosofia que teve origem na Europa com base nas obras de Karl Marx e Friedrich Engels.

Trata-se de uma teoria filosófica cujo conceito defende que a realidade da sociedade é definida por meios materiais com base em estudos que podem ser realizados, por exemplo, no âmbito da economia, da geografia, das ciências, etc.

Marx e Engels encontraram, através dessa teoria, uma forma de compreender os processos sociais que aconteceram ao longo da história.

Estátuas de Kark Marx (à esquerda) e Friedrich Engels (à direita), em Berlim, na Alemanha.

Confira abaixo as principais características do materialismo dialético.

  • Considera que os meios materiais e não os concretos definem e realidade social.
  • Baseia-se na dialética para compreender os processos sociais.
  • Não concorda com o conceito de que a história é estática e definitiva.
  • Opõe-se totalmente ao idealismo.
  • Estuda os fatos históricos com base em elementos contraditórios.
  • Defende que qualquer análise deve avaliar um todo e não somente o objeto do estudo em questão.

Princípios fundamentais do materialismo dialético

O materialismo dialético está subdividido em quatro princípios fundamentais.

São eles:

  • A história da filosofia abrange um processo de conflito entre o princípio idealista (que se baseia em ideias, pensamentos e no abstrato como um todo) e o princípio materialista (que tem por base os materiais, fatos e estudos concretos).
  • Todo ser humano é responsável por determinar a própria consciência e não o contrário.
  • A matéria é dialética e não metafísica, ou seja, está em constante mudança e não é estática.
  • A dialética é o estudo da contradição na essência das coisas; ela baseia seus estudos na comparação de contradições analisando um todo.

Diferença entre materialismo e idealismo

O materialismo surgiu como oposição ao idealismo.

O materialismo marxista defende que as ideias têm origem física e que, por esse motivo, são fundamentadas por dados, resultados e avanço das ciências.

O idealismo filosófico, por sua vez, atribui o conceito de realidade ao espírito e defende que as ideias são criações divinas ou que obedecem a vontades de divindades ou outras forças sobrenaturais.

O materialismo se opõe totalmente ao idealismo e a principal diferença entre ambos é que, enquanto para o primeiro a realidade é material e consequentemente concreta, para o segundo ela é baseada em fatores como pensamentos e forças sobrenaturais ou seja, é abstrata.

Diferença entre materialismo dialético e materialismo histórico

Apesar de ambos terem sido desenvolvidos por Karl Marx e Friedrich Engels, materialismo dialético e materialismo histórico são conceitos completamente diferentes.

Enquanto o materialismo dialético consiste em um método marxista de raciocínio que considera que toda análise deve ser feita de forma geral, sem contemplar apenas o objeto de estudo em si, mas também fatos, ideias e dados que o contradigam, o materialismo histórico é a forma marxista de interpretar a história no que diz respeito a luta das classes sociais.

Segundo o materialismo histórico, a sociedade evolui através dos confrontos entre as diferentes classes sociais.

Saiba mais sobre dialética e materialismo histórico.

A dialética marxista

Karl Marx recorreu à dialética para abordar assuntos históricos.

Um dos fundamentos da dialética histórica é o de que nada pode ser considerado perpétuo pois tudo está em constante evolução e mudança. Com isso, Marx considera a evolução natural da história, não admitindo que ela seja estática.

A dialética marxista tinha como base a dialética defendida por Friedrich Hegel, porém com algumas discordâncias.

Busto de Hegel com suas iniciais (Georg Wilhelm Friedrich Hegel), em Berlim, na Alemanha.

Marx concordava com o conceito da dialética hegeliana no que dizia respeito ao fato de que nada é estático e de que tudo está em um constante processo de mudança. De acordo com esse fundamento A pode passar a ser B ou até mesmo ser substituído por C.

No entanto, o princípio fundamental de Hegel é o de que a experiência humana depende das percepções da mente, o que vai totalmente de encontro ao que Marx defendia.

Para Marx esse conceito era demasiadamente abstrato para abordar assuntos como desigualdades sociais, alienação econômica e política, exploração e pobreza.

A dialética marxista considera que a realidade dever ser analisada como um todo, através da contradição. Para analisar um conceito, por exemplo, não só ele deve ser estudado, analisado e tido em consideração, mas também um outro conceito que o contradiga.

Desta forma, será feito um confronto entre os dois conceitos opostos para que se alcance uma conclusão.

Relação entre o materialismo e a dialética

A lógica do conceito de materialismo dialético pode ser explicada através da própria designação:

Materialismo: a fundamentação da teoria é com base em meios materiais em detrimento de meios abstratos como pensamentos e ideias.

Dialético: a teoria foi caracterizada como dialética pois a sua lógica consiste na interpretação de processos como uma oposição de forças que, em geral, culmina em uma solução.

ENSAIOS SOBRE PARADIGMAS

O materialismo histórico-dialético e a Educação

Education and the historical and dialectical materialism

Marília Freitas de Campos Pires

Professora do Departamento de Educação do Instituto de Biociências — IB / UNESP, campus de Botucatu

RESUMO

Este estudo apresenta a dialética marxista como uma das abordagens possíveis de interpretação da realidade, e da realidade educacional. Esta construção lógica do método materialista histórico que fundamenta o pensamento marxista, apresenta-se como possibilidade teórica (instrumento lógico) de interpretação. O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens em sociedade através da história. Este instrumento de reflexão teorico-prática pode estar colocado para que a realidade educacional aparente seja, pelos educadores, superada, buscando-se então a realidade educacional concreta, pensada, compreendida em seus mais diversos e contraditórios aspectos.

Palavras-chave: Educação; marxismo; modelos teóricos.

ABSTRACT

The present article presents the Marxist dialectics as a possible interpretation of reality and, particularly, the education reality. This logical construction of the historical materialism which grounds the Marxist thought is a possible theoretical way to look at reality. The historical materialism is characterized by the movement of thought throughout history. This method could be used by educators to overcome the apparent reality, and so allow the search, for a concrete educational reality, well thought and understood in all its several and diverse aspects, even the contradictory ones.

Key words: Education; marxism; models, theoretical.

Discutir os paradigmas de interpretação da realidade e suas contribuições para o processo educacional — tarefa filosófica para educadores em formação nos cursos de pós-graduação — exige a localização da relação sujeito-objeto como a questão central. A história da filosofia tem demonstrado ser esta preocupação um dos principais problemas da filosofia. (Gramsci, 1991; Oizemann, 1973) Compreender a relação sujeito-objeto é compreender como o ser humano se relaciona com as coisas, com a natureza, com a vida.

Este problema, central em todas as ciências, pode ser compreendido a partir de diferentes abordagens. A dialética pode ser uma delas, assim como, mais especificamente, o materialismo histórico-dialético, ou a dialética marxista.

A dialética que aparece no pensamento de Marx surge como uma tentativa de superação da dicotomia, da separação entre o sujeito e o objeto. No entanto, a dialética surgiu, na história do pensamento humano, muito antes de Marx. Em suas primeiras versões, a dialética foi entendida, ainda na Grécia antiga, como a arte do diálogo, a arte de conversar. Sócrates emprega este conceito para desenvolver sua filosofia. Platão utiliza, abundantemente, a dialética em seus diálogos. A verdade é atingida pela relação de diálogo que pressupõe minimamente duas instâncias, mas até aqui o diálogo acontece sob um princípio de identidade, entre os iguais. Entretanto, tal posicionamento foi precedido por uma visão distinta encontrada principalmente em Heráclito, filósofo grego que viveu de 530 a 428 a.C. Para este, a conversa existe somente entre os diferentes. A diferença é constituidora da contrariedade e do conflito. Não é a concórdia que conduz ao diálogo, mas a divergência, isto é, a exacerbação do conflito. (Novelli e Pires, 1996)

Aristóteles é um dos grandes responsáveis pela marginalização do pensamento de Heráclito sobre a contraditoriedade e o conflito. O princípio da identidade, perseguido por Aristóteles, estabelecia a fixação do ser: o que é, é e o que não é, não é. Já em Heráclito encontramos a idéia de movimento do pensamento, a idéia de contraditoriedade da vida, da natureza, do mundo: todas as coisas fluem e se alteram sempre, disse ele; mesmo na mais imóvel existe um invisível fluxo e movimento. (Durant, 1996) Desde então já se afirmava que a lógica dialética é uma possibilidade de compreensão da realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação (Konder, 1981), em contraposição à lógica formal, estática, que não aceita a contradição e o conflito.

Bem mais tarde, no Renascimento, a busca da objetividade levou o pensamento humano a uma profunda separação entre sujeito e objeto e ao abandono do pensamento dialético como lógica de interpretação do mundo e como objeto de estudo das ciências e da filosofia. No entanto, observa-se que a base de compreensão da dialética, a contraditoriedade e movimento do mundo, estava presente na elaboração científica de vários pensadores. A idéia de Copérnico de que a terra não é imóvel; o movimento como condição natural dos corpos de Galileu e Descartes; e os corpos caem de Newton foram contribuições importantes para a elaboração do método dialético. (Konder, 1981)

Mas é com Hegel, filósofo alemão que viveu de 1770 a 1831, que a dialética retoma seu lugar como preocupação filosófica, como importante objeto de estudo da filosofia. Partindo das idéias de Kant (1724-1804) sobre a capacidade de intervenção do homem na realidade, sobre as reflexões acerca do sujeito ativo, Hegel tratou da elaboração da dialética como método, desenvolvendo o princípio da contraditoriedade afirmando que uma coisa é e não é ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Esta é a oposição radical ao dualismo dicotômico sujeito-objeto e ao princípio da identidade. Por isso Hegel preconiza o princípio da contradição, da totalidade e da historicidade. (Novelli e Pires, 1996)

Porém, é a dialética de Marx, construção lógica do método materialista histórico, que fundamenta o pensamento marxista, que será aqui apresentada como possibilidade teórica (instrumento lógico) de interpretação da realidade educacional que queremos compreender. A atuação profissional na educação coloca a necessidade de conhecer os mais variados elementos que envolvem a prática educativa, a necessidade de compreendê-la da forma mais completa possível. No entanto, não se pode fazer isto sem um método, um caminho que permita, filosófica e cientificamente, compreender a educação. E, se a lógica formal, porque é dual, separando sujeito-objeto, foi se mostrando insuficiente para esta tarefa, parece possível buscar, no método materialista histórico-dialético, este caminho. É preciso esclarecer, porém, que o ponto de vista a partir do qual a dialética marxista é aqui tratada é a educação e o ponto a partir do qual a educação é tratada, aqui, é o pensamento marxista. Portanto, são de e para educadores as análises das idéias marxistas como paradigmas de interpretação da realidade apresentadas neste breve estudo.

Karl Marx, alemão, filósofo, economista, jornalista e militante político, viveu em vários países da Europa no século XIX de 1818 a 1883. Na busca de um caminho epistemológico, ou de um caminho que fundamentasse o conhecimento para a interpretação da realidade histórica e social que o desafiava, superou (no sentido de incorporar e ir além) as posições de Hegel no que dizia respeito à dialética e conferiu-lhe um caráter materialista e histórico. Para o pensamento marxista, importa descobrir as leis dos fenômenos de cuja investigação se ocupa; o que importa é captar, detalhadamente, as articulações dos problemas em estudo, analisar as evoluções, rastrear as conexões sobre os fenômenos que os envolvem. Isto, para este pensador, só foi possível a partir da reinterpretação do pensamento dialético de Hegel. A separação sujeito-objeto, promovida pela lógica formal, não satisfazia a estes pensadores que, na busca da superação desta separação, partiram de observações acerca do movimento e da contraditoriedade do mundo, dos homens e de suas relações.

A lógica formal não consegue explicar as contradições e amarra o pensamento impedindo-lhe o movimento necessário para a compreensão das coisas. Se o mundo é dialético (se movimenta e é contraditório) é preciso um Método, uma teoria de interpretação, que consiga servir de instrumento para a sua compreensão, e este instrumento lógico pode ser o método dialético tal qual pensou Marx.

O método dialético que desenvolveu Marx, o método materialista histórico dialético, é método de interpretação da realidade, visão de mundo e práxis. A reinterpretação da dialética de Hegel (colocada por Marx de cabeça para baixo), diz respeito, principalmente, à materialidade e à concreticidade. Para Marx, Hegel trata a dialética idealmente, no plano do espírito, das idéias, enquanto o mundo dos homens exige sua materialização.

É com esta preocupação que Marx deu o caráter material (os homens se organizam na sociedade para a produção e a reprodução da vida) e o caráter histórico (como eles vêm se organizando através de sua história). A partir destas preocupações, Marx desenvolve o Método que, no entanto, não foi sistematicamente organizado para publicação. Podemos encontrar elementos para a compreensão do Método nos primeiros escritos de Marx como na Ideologia Alemã e nos Manuscritos Econômicos Filosóficos, por exemplo, mas é em O Capital, sua mais importante obra, que encontraremos, não uma exposição do Método, mas sua aplicação nas análises econômicas ali empreendidas. A Contribuição à Critica da Economia Política, texto introdutório de O Capital, talvez seja o texto de Marx que mais se aproxima de uma sistematização do Método. Além disso, muitos estudos tem sido empreendidos neste século para a identificação e análise da metodologia do pensamento marxista, como Gramsci (1991); Kosik (1976); Kopnin (1978); Ianni (1985); Konder (1981, 1991); Frigotto (1989); Limoeiro (1991); entre outros.

Com a crise do socialismo real, sistema político, econômico e social fundamentado na também chamada teoria marxista, o Método tem sido bastante questionado em sua vitalidade, atualidade e até em sua possibilidade de continuar existindo como referencial teórico de compreensão da realidade. Não cabe aqui uma discussão sobre este problema, mas vale a pena observar que as interpretações marxistas da realidade econômica, social, política e cultural da sociedade capitalista moderna foram as interpretações mais completas e originais desta sociedade - reconhecida por muitos pensadores, inclusive aqueles que discordaram de suas idéias socialistas de organização social — e que, neste sentido, sobrevivendo à sociedade capitalista (com todas as suas modificações atuais), sobrevive, ainda, como a mais importante teoria de interpretação, conferindo atualidade e pertinência ao método materialista histórico dialético, que precisa, é claro, ser constantemente contextualizado. (Santos, 1996)

Isto posto, compreender o Método é instrumentalizar-se para o conhecimento da realidade, no caso, a realidade educacional. O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens durante a história da humanidade.

O princípio da contradição, presente nesta lógica, indica que para pensar a realidade é possível aceitar a contradição, caminhar por ela e apreender o que dela é essencial. Neste caminho lógico, movimentar o pensamento significa refletir sobre a realidade partindo do empírico (a realidade dada, o real aparente, o objeto assim como ele se apresenta à primeira vista) e, por meio de abstrações (elaborações do pensamento, reflexões, teoria), chegar ao concreto: compreensão mais elaborada do que há de essencial no objeto, objeto síntese de múltiplas determinações, concreto pensado. Assim, a diferença entre o empírico (real aparente) e o concreto (real pensado) são as abstrações (reflexões) do pensamento que tornam mais completa a realidade observada. Aqui, percebe-se que a lógica dialética do Método não descarta a lógica formal, mas lança mão dela como instrumento de construção e reflexão para a elaboração do pensamento pleno, concreto. Desta forma, a lógica formal é um momento da lógica dialética; o importante é usá-la sem esgotar nela e por ela a interpretação da realidade.

Saviani (1991), discutindo a necessidade de o educador brasileiro passar do senso comum para a consciência filosófica na compreensão de sua prática educativa, aponta o método materialista histórico dialético como instrumento desta prática e explica, para isto, a superação da etapa de senso comum educacional (conhecimento da realidade empírica da educação), por meio da reflexão teórica (movimento do pensamento, abstrações), para a etapa da consciência filosófica (realidade concreta da educação, concreta pensada, realidade educacional plenamente compreendida). Sobre estas questões, escreve:

Com efeito, a lógica dialética não é outra coisa senão o processo de construção do concreto de pensamento (ela é uma lógica concreta) ao passo que a lógica formal é o processo de construção da forma de pensamento (ela é, assim, uma lógica abstrata). Por aí, pode-se compreender o que significa dizer que a lógica dialética supera por inclusão/incorporação a lógica formal (incorporação, isto quer dizer que a lógica formal já não é tal e sim parte integrante da lógica dialética). Com efeito, o acesso ao concreto não se dá sem a mediação do abstrato (mediação da análise como escrevi em outro lugar ou "detour" de que fala Kosik). Assim, aquilo que é chamado lógica formal ganha um significado novo e deixa de ser a lógica para se converter num momento da lógica dialética. A construção do pensamento se daria pois da seguinte forma: parte-se do empírico, passa-se pelo abstrato e chega-se ao concreto. (Saviani, 1991; p.11)

Uma grande contribuição do Método para os educadores, como auxílio na tarefa de compreender o fenômeno educativo, diz respeito à necessidade lógica de descobrir, nos fenômenos, a categoria mais simples (o empírico) para chegar à categoria síntese de múltiplas determinações (concreto pensado). Isto significa dizer que a análise do fenômeno educacional em estudo pode ser empreendida quando conseguimos descobrir sua mais simples manifestação para que, ao nos debruçarmos sobre ela, elaborando abstrações, possamos compreender plenamente o fenômeno observado. Assim pode, por exemplo, um determinado processo educativo ser compreendido a partir das reflexões empreendidas sobre as relações cotidianas entre professores e alunos na sala de aula. Quanto mais abstrações (teoria) pudermos pensar sobre esta categoria simples, empírica (relação professor/aluno), mais próximo estaremos da compreensão plena do processo educacional em questão. Para Marx, nas análises econômicas de O Capital, a categoria simples (empírica) foi a mercadoria, da qual foi possível, a partir de abstrações, compreender a economia capitalista.

Se a lógica dialética permite e exige o movimento do pensamento, a materialidade histórica diz respeito à forma de organização dos homens em sociedade através da história, isto é, diz respeito às relações sociais construídas pela humanidade durante todos os séculos de sua existência. E, para o pensamento marxista, esta materialidade histórica pode ser compreendida a partir das análises empreendidas sobre uma categoria considerada central: o trabalho. E por que o trabalho?

Em primeiro lugar, é preciso considerar que o conceito de trabalho em Marx não se esgota no conceito cotidiano de trabalho, na concepção do senso comum de trabalho que se aproxima da idéia de ocupação, tarefa, um conceito puramente econômico. O conceito de trabalho, categoria central nas relações sociais, tal qual o pensamento marxista o entende, é o conceito filosófico de trabalho, é a forma mais ampla possível de se pensar o trabalho. Nas análises marxistas acerca desta questão, de caráter mais filosófico do que econômico, encontramos que o trabalho é central nas relações dos homens com a natureza e com os outros homens porque esta é sua atividade vital. Isto quer dizer que, se o caráter de uma espécie define-se pelo tipo de atividade que ela exerce para produzir ou reproduzir a vida, esta atividade vital, essencial nos homens, é o trabalho — a atividade pela qual ele garante sua sobrevivência e por meio da qual a humanidade conseguiu produzir e reproduzir a vida humana (Marx, 1993). Hoje se discute a centralidade da categoria trabalho no mundo contemporâneo. As modificações das relações de trabalho teriam, segundo algumas teses, levado o trabalho a perder a característica de estruturação das relações sociais. No entanto, parece que as modificações no mundo do trabalho não significam transformações profundas nas relações sociais, especialmente nas relações sociais de produção. (Antunes, 1995)

Assim, o trabalho é categoria central de análise da materialidade histórica dos homens porque é a forma mais simples, mais objetiva, que eles desenvolveram para se organizarem em sociedade. A base das relações sociais são as relações sociais de produção, as formas organizativas do trabalho.

Ocorre que, na sociedade capitalista, o trabalho (atividade vital, essencial) é explorado (comprado por um preço sempre menor do que produz) definindo, assim, um processo de alienação (expropriação da atividade essencial em sua plenitude). Se o trabalho, como atividade essencial e vital traz a possibilidade de realização plena do homem enquanto tal (humanização), a exploração do trabalho determina um processo inverso, de alienação. Sob a exploração do trabalho, os homens tornam-se menos homens, há uma quebra na possibilidade de, pelo trabalho, promover a humanização dos homens.

Este movimento contraditório humanização/alienação interessa muito à educação. Parece que esta questão é fundamental para a organização do processo educacional. A educação estará, em suas várias dimensões, "a serviço" da humanização ou da alienação? Esta pergunta tem que ser respondida pelo educador como direção de sua prática educativa. Não há possibilidade de construção de um agir pedagógico sem que esta questão esteja presente. Há, sim, possibilidade de estar escondida, camuflada, não pensada, mas estará sempre presente. O conhecimento, como instrumento particular do processo educacional, pode ser tratado de forma a contribuir ou a negar o processo de humanização. Neste sentido, pensemos sobre o que é a educação: "o trabalho educativo é o ato de produzir, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens". (Saviani, 1994; p.24)

A humanidade, produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens, diz respeito ao conjunto de instrumentos (objetos, idéias, conhecimento, tecnologia etc) com os quais os homens se relacionam com a natureza e com os outros homens para promover a sobrevivência. A forma histórica de produzir a humanidade chama-se trabalho, portanto a centralidade do trabalho nas relações sociais diz respeito também à educação.

Muito autores vêm discutindo as relações entre trabalho e educação, inspirados, principalmente, pelos escritos de Antônio Gramsci, importante marxista italiano que viveu entre 1891 e 1926 (Frigotto, 1984, 1995; Manacorda, 1990, 1991; Arroyo, 1990, 1991; Enguita, 1989; Nosella, 1992; Silva, 1991, entre outros). Estes autores apontam que, para que a educação seja um instrumento do processo de humanização, o trabalho deve aparecer como princípio educativo. Isto quer dizer que a educação não pode estar voltada para o trabalho de forma a responder às necessidades adaptativas, funcionais, de treinamento e domesticação do trabalhador, exigidas em diferentes graus, pelo mundo do trabalho na sociedade moderna, mas sim que a educação pode ter como preocupação fundamental o trabalho em sua forma mais ampla. Analisar o processo educacional a partir de reflexões empírico-teóricas para compreendê-lo em sua concretude, significa refletir sobre as contradições da organização do trabalho em nossa sociedade, sobre as possibilidades de superação de suas condições adversas e empreender, no interior do processo educativo, ações que contribuam para a humanização plena do conjunto dos homens em sociedade.

Considerando que os homens se caracterizam por um permanente vir a ser, a relação entre os homens não está dada, mas precisa ser construída (vir a ser), construída material (trabalho social) e historicamente (organização social do trabalho). O trabalho, como princípio educativo, traz para a educação a tarefa de educar pelo trabalho e não para o trabalho, isto é, para o trabalho amplo, filosófico, trabalho que se expressa na práxis (articulação da dimensão prática com a dimensão teórica, pensada). É claro que em alguns momentos deste processo educacional, especialmente no que diz respeito à formação profissional, a aprendizagem de habilidades, práticas e ações imediatas são necessárias, mas o que aqui se quer destacar, como contribuição do Método à educação, é que o processo educacional é mais amplo, não se esgota na dimensão prática, exige a construção da formação em sua totalidade, tem que contribuir para a formação de homens plenos, plenos de humanidade.

É com relação a estas questões que esta discussão pode contribuir para a formação de educadores que atuam ou atuarão no ensino médico. Trata-se de refletir sobre o desafio de superar a lógica formal da ciência moderna nas relações educativas desta área, lógica que, em última análise, separa sujeito e objeto no processo educativo. A construção de ações mais filosóficas, mais pensadas, mais completas, mais cheias de movimento lógico, permitirá que o agir pedagógico torne-se mais relacionado à realidade médica concreta. A apresentação do Método tentada aqui tem como objetivo contribuir para que os pós-graduandos destes cursos apropriem-se de um instrumental metodológico que lhes possibilite análises desta realidade concreta (histórica e material), ou seja, que o Método possa contribuir para que cada profissional/educador construa sua prática profissional por meio de leituras mais amplas da realidade. A intenção deste processo de reflexão é contribuir para que cada um perceba o princípio da contraditoriedade da realidade histórica de suas relações profissionais nesta sociedade: a alienação dos homens. E, que isto aconteça não apenas para constatação da situação histórica, mas, principalmente, para que cada um possa, de alguma maneira, contribuir para sua superação. O maior desafio que o Método coloca é permitir e até exigir que, na ação cotidiana, o pensamento faça movimentos lógico-dialéticos na interpretação da realidade, com o objetivo de compreendê-la para transformá-la. Assim: os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo. (Tese XI sobre Feuerbach publicadas junto a Ideologia Alemã - Marx, 1979; p. 111)

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    Texto apresentado na mesa-redonda

    Paradigmas de Interpretação da Realidade e Projetos Pedagógicos organizada pelas disciplinas de Pedagogia Médica e Didática Especial dos Cursos de Pós-graduação da Faculdade de Medicina da UNESP, campus de Botucatu, em agosto de 1996.

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    O conceito de práxis de Marx pode ser entendido como prática articulada à teoria, prática desenvolvida

    através de abstrações do pensamento, como busca de compreensão mais consistente e conseqüente da atividade prática - é prática